Pesquisa publicada na revista científica Akropolis out/dez de 2011 - Umuarama
disponível em PDF via
http://revistas.unipar.br/akropolis/article/view/4275/2654
Resumo: O presente trabalho pesquisou o laço
amoroso entre casais e suas manifestações sob a perspectiva de Psicanalistas da
região oeste do Paraná. Tem como objetivos investigar a historia do amor e do
sexo, abordar a necessidade dos casais de se relacionarem amorosamente e, como
a psicanálise interpreta as relações amorosas e a escolha do objeto de amor.
Esta investigação foi realizada através de pesquisa bibliográfica e de pesquisa
de campo. Após a aprovação do Comitê de Ética realizou-se a coleta de dados com oito profissionais que atuam embasados na
Psicanálise. A análise dos dados confrontou a revisão de literatura com
os dados obtidos nas entrevistas e revelou que as relações amorosas reverberam
essencialmente aspectos infantis na escolha objetal, tais como a relação
mãe/bebê e a dissolução do complexo de Édipo. Conclui-se que há uma relação
entre a infância e as escolhas amorosas da vida adulta. Isso ocorre porque cada
sujeito se constitui através das representações que foram significativas na sua
infância, e é a partir destas representações que ocorrerá a busca pela satisfação
na vida amorosa adulta. Ou seja, o laço amoroso entre casais está pautado nas
primeiras marcas de satisfação deixadas pelos vínculos amorosos constituídos
durante a infância.
Palavras-Chave: amor; sexualidade; psicanálise.
Title: The bond between loving couples and
their manifestations from the perspective of analysts in the west of Paraná.
Abstract: This study investigated the bond
between loving couples and their manifestations from the perspective of
Psychoanalysts of the western region of Paraná. It aims to investigate the
story of love and sex, address the need for couples to relate lovingly and as
psychoanalysis interprets romantic relationships and the choice of love object.
This research was conducted through literature search and field research. After
approval by the Ethics Committee held data collection with eight professionals
who work grounded in psychoanalysis. Data analysis confronted the literature
review with data obtained in the interviews and revealed that romantic
relationships on children's issues reverberate mainly object-choice, such as
the mother / baby relationship and the dissolution of the Oedipus complex. We
conclude that there is a relationship between childhood and adulthood loving
choices. This is because each subject is constituted through the
representations that were significant in its infancy, and from these
representations that occur to search for satisfaction in their love life. That
is, the bond between loving couples is based in the first marks left by the
satisfaction of loving bonds formed during childhood.
Keywords: love, sexuality, psychoanalysis.
Título: La unión entre parejas de
enamorados y sus manifestaciones, desde la perspectiva de los analistas en el
oeste de Paraná.
Resumen: Este estudio investigó el vínculo
entre las parejas de enamorados y sus manifestaciones, desde la perspectiva de
los psicoanalistas de la región oeste de Paraná. Su objetivo es investigar la
historia de amor y el sexo, la dirección la necesidad de que las parejas se
relacionan con amor y como el psicoanálisis interpreta las relaciones
románticas y la elección de objeto de amor. Esta investigación se llevó a cabo
a través de la literatura y la investigación de campo. Después de la aprobación
por el Comité de Ética celebrada recopilación de datos, con ocho profesionales
que trabajan en tierra en el psicoanálisis. Análisis de los datos ante la
revisión de la literatura con los datos obtenidos en las entrevistas y reveló
que las relaciones románticas en cuestiones de la infancia repercuten
principalmente la elección de objeto, tales como la relación madre / bebé y la
disolución del complejo de Edipo. Se concluye que existe una relación entre las
opciones de la niñez y la adultez amorosa. Esto es porque cada sujeto se
constituye a través de las representaciones que fueron significativas en su
infancia, y de estas representaciones que se producen en búsqueda de la
satisfacción en su vida amorosa. Es decir, la unión entre parejas de enamorados
se basa en las marcas de primera a la izquierda por la satisfacción de formar
lazos de amor durante la infancia.
Palabras-claves: el amor, la sexualidad, el
psicoanálisis.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é elucidar o
relacionamento conjugal voltando-se ao laço amoroso existente entre casais sob
a perspectiva da psicanálise. Esta pesquisa apresenta uma breve introdução sobre
a história do amor e da sexualidade, a definição de laço amoroso e suas formas
de manifestação partindo dos pressupostos da psicanálise, sejam na manutenção
do laço ou na separação.
A primeira parte deste artigo trata da história
da sexualidade e do amor, a qual tem sido permeada pelo mecanismo do poder. As
leis morais estabelecem o que deve ser aceito e o que é reprovado em uma
sociedade considerada sadia, mesmo que tal entendimento seja impregnado de
hipocrisia. O sexo até meados do século XVII era vivido com aparente normalidade,
a partir de então surgem regras sociais para tentar nivelar o comportamento
sexual, assim cresceu progressivamente o interesse de estudá-lo e classificá-lo
dentro dos padrões de normalidade. Assim, nasce a palavra sexualidade e são
feitas classificações referente a ela. A princípio a lei social estabeleceu uma
fusão entre sexo e amor e em seguida houve uma cisão entre estes termos.
A segunda parte deste estudo trata das vinculações
afetivas que têm sua origem no primeiro ano de vida da pessoa quando ela
precisa do Outro
para que suas necessidades sejam supridas. Também apresenta os tipos de escolha
de objeto de amor no homem e na mulher e, questões subjetivas que
contribuem para o rompimento e para a permanência do laço amoroso.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de
campo, com a aprovação pelo Comitê de Ética.
A partir da análise dos dados conclui-se que o laço amoroso se constitui
como uma busca pela satisfação pulsional. Assim, o que a pessoa ama não é o objeto,
mas sim o significante dele, a satisfação que ele implica e ainda, que toda
escolha amorosa na idade adulta é permeada pelas relações objetais infantis, as
quais têm relação estreita com a constituição psíquica e com a passagem pelo Complexo
de Édipo.
2. REFLEXÕes SOBRE A histÓria do amor e da sexualidade
Com o intuito de fazer uma reflexão antropológica sobre o laço amoroso e
a sexualidade utilizar-se-á das contribuições de Michel Foucault sobre a história
da sexualidade, de Philippe Ariès acerca da história da família. E ainda de
autores como Lacan (2002) e D’Inção (1989).
Durante a idade média, na França, não existia a
constituição familiar demarcada como na atualidade. Os casais se relacionavam
sexualmente e as crianças iam crescendo sem cuidados específicos ou vínculos
afetivos bem definidos. As pessoas viviam em comunidade, não existia um lugar
privado para o casal ou para as famílias. A família não era institucionalizada,
os locais ocupados eram todos utilizados comunitariamente sem haver uma divisão
ou organização que estabelecesse que espaço pertencesse a quem, todos desfrutavam,
usufruíam, compartilhavam o mesmo meio sem haver restrições geográficas dentro
da comunidade. Não havia, nessa época, na sociedade a necessidade de defender
território e garantir vantagens à prole tendo em vista que todas as crianças
eram criadas por todos não existindo uma vinculação amorosa diferenciada para
os indivíduos com laços consangüíneos. Ou seja, não havia uma distinção entre o
público e o privado (ARIÈS, 1978).
Para Foucault (1985) as questões relacionadas ao sexo
eram tratadas com certa franqueza até o início do século XVII, não existindo a
necessidade de manter segredos, nem moralizar o discurso sobre sexo, o qual era
feito com naturalidade e sem repressões. No decorrer deste século, e no
próximo, as questões sexuais passaram a ser vedadas, disfarçadas, tornado-se
algo particular, algo de dentro de casa, cessando-se a naturalidade do discurso
sobre sexo e passando-se a falar deste de forma mascarada. O sexo então, passou
a ser aceito pela sociedade com a função única e específica da reprodução,
servindo apenas para o casal legítimo gerar a prole conforme se referem às leis
religiosas da época. A ordem repressiva sexual foi norteada pelo mecanismo do
poder. A censura veio como uma forma de controle sobre o sexo, tentando barrar
a incidência de sua prática, restringi-lo, negá-lo. Porém, conforme emergiam
estas restrições ocorria o inverso do esperado, quanto mais se tentava calar o
sexo, mais se criavam espaços específicos (e “ilegais”) para a sua prática na
sociedade, e, ao mesmo tempo, se tentava classificá-lo.
Mas por
volta do século XVIII nasce uma incitação política, econômica, técnica, a falar
do sexo. E não tendo sob a forma de uma teoria geral da sexualidade, mas sob
uma forma de análise, de contabilidade, de classificação e de especificação,
através das pesquisas quantitativas ou causais. Levar “em conta” o sexo,
formular sobre ele um discurso que não seja unicamente o da moral, mas da
racionalidade [...] cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve
simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade,
regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo
não se julga apenas, administra-se. (FOUCAULT, 1985, p. 26)
Esta ânsia, que se intensificou nesta época, em constituir padrões é
muito mais antiga, pode-se dizer que sempre existiu. No séc. XII surgiu uma
proposta inicial para que, uma vez por ano, todos se ajoelhassem e confessassem
minuciosamente todos os seus erros principalmente os sexuais, na época a
população achou incabível, no entanto, 700 anos depois a maior parte da sociedade
concebe isto com normalidade. Os confessionários tornaram-se uma forma de
controle sobre o sexo. O cristianismo associou-se a prática sexual e só a
aceitava dentro de relações monogâmicas e para a finalidade de procriação. Isso
contraria o pensamento existente em Roma e na Grécia que veneravam o sexo e o considerava
lícito até entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, pesquisando esse tema no
século I descobre-se que as relações sexuais eram permeadas pelo medo imposto
através do cristianismo e da medicina da época que afirmavam que o uso dos
prazerem sexuais era nocivo aos homens. Nessa época, foi descrita uma patologia
como “perda de sêmem” causada pela prática do sexo e pensava-se que os grandes
heróis eram homens capazes de desviar-se do prazer e por isso alcançaram honra
e glória. Foucault (1984) expõe a idéia de São Francisco de Sales e Plínio que
faziam uma referência aos elefantes que escolhem um companheiro para permanecer
a vida toda, copulam uma vez a cada três anos, durante cinco dias, ninguém vê esse
ato e após o término eles se lavam e só então tornam a integrarem-se no seu
grupo social, eles descrevem isto como honra sexual e um modelo que deveria ser
seguido pelos homens.
Com o enaltecimento da vertente cristã e médica a respeito do sexo o matrimônio
monogâmico foi entendido como estereotipo adequado para uma sociedade
padronizada. Sexo e amor eram entendidos como sinônimos, o sexo estava em
constante vigilância e haviam recomendações e prescrições sobre este: “o dever
conjugal, a capacidade de desempenhá-lo, a forma pela qual era cumprido, as
exigências e as violências que o acompanhavam, as carícias inúteis ou indevidas”
(FOUCAULT, 1985, p. 38), além disso, estipulavam-se seu momento e sua
freqüência.
Sobre o surgimento da família Lacan (2002) afirma que desde os tempos
mais primitivos os modelos familiares eram compostos essencialmente por uma
figura de autoridade masculina (pai e/ou chefe de família).
A família surge
inicialmente como um grupo natural de indivíduos unidos por uma relação biológica:
a geração, que dá os componentes do grupo; a condição do meio que o
desenvolvimento dos jovens postula e que mantém o grupo na medida em que os
adultos geradores asseguram sua função (LACAN, 2002, p11).
No século XIX o homem se casava para ter conforto de um lar e ser chefe
de família, que era justamente o que se esperava dele sociamente. O homem não
precisava abrir mão de suas aventuras amorosas e podia manter uma postura
abusiva em relação à esposa, o único papel que ele tinha responsabilidade de
manter era o de ser mantenedor da casa, devia sustentar a família e manter o procedimento
decoroso da esposa e dos filhos em relação a ele e a sociedade.
Os casamentos eram arranjados pelos pais e nem se pensava na existência
ou inexistência de amor ente os cônjuges. “Na visão da igreja, não era por amor que os
cônjuges deveriam unir-se, mas sim por dever: para pagar o débito conjugal,
procriar e finalmente, lutar contra a tentação do adultério” (D’INÇAO, 1989,
p.33). Foi somente em meados do século XIX que alguns países começaram a
aceitar a escolha do parceiro pautando-se no quesito amor. Fato que é
resultante das ideologias individualistas que começaram a emergir, onde o
individuo antes considerado agente empírico passou a ser visto como um ser moral
e também psicológico.
Ainda sobre o surgimento da família Lacan (2002) exprime que a união
conjugal se dá pela necessidade de estabelecer uma continuidade psíquica a
gerações futuras. Ele está de acordo com a idéia de Foucault, que diz “o indivíduo
durante muito tempo foi autenticado pela referência dos outros e pela
manifestação de seu vínculo com outrem - família, lealdade, proteção” (FOUCAULT,
1985, p.58).
Sobre a influência da igreja nas questões de amor e sexo Lacan (2002)
aponta que ela incorporou à sua tradição, na moral do cristianismo, a questão
de que para a efetuação do casamento se deveria ser livre a escolha do cônjuge.
Isso deu origem à instituição familiar em sua estrutura moderna.
O amor sempre foi tema da filosofia e Platão é
uma das principais referências. Em O banquete, Platão fala sobre o discurso
de Pousanias, o qual afirma que o amor pode ser belo ou feio, dependendo da
forma como o amante o pratica. O amor descrito aqui como belo é decente, é
aquele em que se ama mais a alma do que o corpo e que se funde por toda a vida
e, o feio é chamado indecente, é o que se encanta pela beleza do corpo e quando
esta termina, termina também o amor e se esquece juntamente todas as juras
feitas. Portanto, percebe-se que há muitas formas de compreender o amor, assim
como a relação amorosa. No próximo capítulo será apresentado laço amoroso a
partir da visão psicanalítica.
3. Laço amoroso na
Ótica psicanalÍtica
Para entender o vínculo amoroso em psicanálise
é preciso compreender a constituição psíquica. Freud (1915) afirma que existe
uma estrutura psíquica que rege a sobrevivência do indivíduo, nela há o
instinto que se caracteriza pela busca da satisfação de necessidades básicas
fisiológicas como alimentação, e a pulsão que tem a função de buscar satisfação,
mas não é fisiológica, pois busca satisfazer as necessidades subjetivas do
individuo, o desejo, o querer, o amor e atenção do outro. A pulsão se manifesta
quando a criança começa a perceber que a mãe não é uma extensão de si mesma e
se percebe como um ser separado, ela então sente a falta da mãe quando esta não
está presente.
Esta experiência de sentir/viver a ausência da mãe pode ser definida como
uma falta, a qual é um dos componentes para a estruturação psíquica, a maneira
como a criança lida com esta falta definirá sua estruturação psíquica que
poderá ser neurótica, psicótica ou perversa. O neurótico sente a falta e sofre
com ela, o psicótico foraclui a falta, já o perverso nega a falta (QUINET, 2005).
A maneira de lidar com o objeto amado na infância
se repetirá ao longo da vida, toda a vez que a pessoa se relacionar com o outro
repetirá os padrões daquele primeiro contato que teve com este primeiro outro,
no caso, a mãe. Portanto, o sujeito sente uma satisfação ao imaginar a presença
de sua mãe quando perceber a falta dela na realidade, isso gera uma marca
ilusória de completude que será desejada inconscientemente durante toda a vida.
Para
Freud (1915) o prazer é o que regula os eventos mentais, onde o próprio
funcionamento busca a redução de tensão ou produção de prazer. O autor expressa
que o princípio de prazer dá lugar ao princípio de realidade, e isso ocorre não
só com a intenção de obter prazer, mas também com a tentativa de evitar o
desprazer.
O ato de desejar então parte desta corrente de excitação que regula o
prazer e o desprazer. Através do desejo se é possível fazer a descarga de
energia pulsional desprazerosa produzida pela falta em algum objeto que
implique em um determinado prazer. O desejo e o amor podem ser descrito como
formas de o sujeito retomar a satisfação que um dia teve, ou imaginou ter.
Freud (1905) define libido como energia sexual
a qual se emprega para a satisfação de prazeres. O vínculo de amor é concebido
pelo mesmo como o investimento libidinal em algum objeto ou pessoa. Ao longo da
vida esses objetos vão mudando conforme o nível de satisfação que proporcionam.
Não se ama o objeto que se diz amar, ama-se o prazer que ele implica. O amor é
satisfação de prazer.
Freud descreveu a evolução psicossexual em forma
de fases, onde a mesma libido passa por diferentes formas de satisfação. A primeira é a fase oral na qual a criança tem como zona
erógena a boca, ela experimenta as gratificações da libido oral através da
amamentação. A segunda é a fase anal que é quando a libido esta concentrada nas
mucosas excretoriais. A terceira é a
fase fálica que é quando a criança começa a se perceber como um ser sexuado.
A psicanálise revelou na
criança pulsões genitais cujo seu apogeu se situa no quarto ano de vida [...]
Fixando a criança por um desejo sexual ao objeto mais próximo que normalmente a
presença e o interesse lhe oferecem, a saber, o progenitor do sexo oposto.
(LACAN, 2002, p. 42)
O Complexo de Édipo, apresentado por Freud, descreve o
complexo de sentimentos presentes na vida psíquica de uma criança. Para
compreender tal complexo deve-se partir do mito original de Édipo Rei e também
de Electra. Sófocles (2002) explica que estes dois mitos expressam a angústia
do filho pela relação incestuosa com a mãe, o assassinato do pai e a angústia
da filha que idolatra o pai e mantém uma rivalidade com a mãe. A partir destes
mitos Freud (1905) define que o complexo de Édipo, que ocorre por volta dos
quatro anos, é a fase da vida em que aflora a sexualidade e se inicia a escolha
de um dos progenitores como objeto de amor e o outro como objeto de
identificação.
Para Lacan (1999) o âmago do complexo de Édipo é deparar-se com um limite
que não é só biológico, mas também um limite constituinte. Não é apenas não
poder relacionar-se com seu genitor porque o outro não quer, é o não poder
porque não se suporta. A criança não tem maturidade para entender a excitação
naquele momento por isso ocorre o recalque.
Lacan (1999) faz uma releitura de Freud e estabelece
três tempos na ocorrência do complexo de Édipo.
O primeiro tempo denomina-se a dialética do desejo, aqui há uma relação
de alienação com a mãe, a criança fica assujeitada ao superego da mãe e aos
desejos desta, pois a considera um Outro onipotente, tem o sentido de
substituto de falo para mãe. O segundo tempo é chamado de dialética do ser,
neste tempo entra-se na separação, a criança começa a construir seu mundo
simbólico, se constituir como sujeito, depara-se com a angústia, pois fica
dividida entre seu desejo e o desejo da mãe, deixa de ser o objeto fálico desta
e depara-se com suas frustrações. O terceiro e último tempo é descrito como a
saída do Édipo, é dito a dialética do ter, a criança começa a perceber a
diferenciação entre masculino e feminino, o pai é visto como aquele que tem,
aquele que sanciona a lei, e a criança faz a significação e registra esta
experiência de castração.
Como este desejo pelo genitor
do sexo oposto não pode ser satisfeito e é censurado pelo superego causando
sentimento de culpa, este desejo é recalcado. Assim, o relacionar-se com o
outro, na idade adulta, vem como uma oportunidade de realização do amor genital
que se buscava, mas não podia ser satisfeito na infância e, nele acontece as
repetições das formas infantis de se relacionar através da busca pela obtenção
de prazer. Portanto, a relação de amor é marcada pela ambivalência de
sentimentos já que o objeto de amor é ora amado e ora odiados por se manifestar
sob diversas formas entre satisfatório e frustrante.
Lacan
(1985) concebe que o desejo de uma pessoa de possuir a outra nada mais é do que
o desejo por gozar do corpo do Outro e isto parte da identificação que se tem
com este objeto que se deseja possuir. Este gozo
diz respeito à satisfação que se obtém com alguns eventos e/ou situações que,
no caso, referem-se ao Outro que é o objeto de amor.
Gozar tem esta
propriedade fundamental de ser em suma o corpo de um que goza de uma parte do
corpo do Outro. Mas esta parte também goza – aquilo agrada ao Outro mais, ou
menos, mas é fato que ele não pode ficar indiferente (LACAN, 1985, p. 35).
3.1 A escolha AMOROSA E SUas
implicaçÕes
Lacan (2002) evidencia que os complexos familiares são compostos por
fatores inconscientes representados por imagos e tem a função de desempenhar um
papel de organização do psiquismo. As imagos são descritas como um padrão
inconsciente de personagens que orienta a concepção do Outro pelo sujeito.
Assim, as pessoas vêem o amor como uma possibilidade de fazer de dois um só, nos relacionamentos amorosos as pessoas buscam a simbiose
para desfrutar do gozo desta relação (Lacan, 1985).
Freud (1905) descobriu que a feminilidade e
masculinidade são construídas socialmente durante os primeiros anos de vida e
através dos contatos de proximidade com as pessoas. A partir daí que se
originam as formas de escolher o objeto de amor e se relacionar com ele. A
escolha do objeto amado é baseada num movimento pulsional de encontrar um
objeto perdido e desejado. Desta forma, toda escolha amorosa parte de um objeto
original desejado e impedido, tem suas origens no complexo de Édipo e
norteia-se pela busca de satisfação. Todavia a plena satisfação é algo
inalcançável e a partir disso ao longo da vida surgem objetos substitutos.
A escolha do objeto de amor está
intrinsecamente associada ao investimento libidinoso da pessoa em algo ou
alguém exterior a ela. Freud (1905) aponta que a questão da sexualidade esta
atrelada à pessoa desde o seu nascimento com sua busca de prazer por diferentes
formas. A criança vai constituindo sua sexualidade a partir do conhecimento do
prazer e começa a erotizar o Outro como objeto de amor, ou seja, investimento
libidinal. Isso faz com que se elejam objetos para se empregar amor,
pois propiciam certa satisfação.
Porque investimos naquele
objeto e não em outro? A resposta a essa pergunta não
pode ser dada aqui como uma regra, pois os fatores inconscientes envolvidos
nessa escolha são muitos e diferem de pessoa para pessoa. O objeto amado pode
ser, para o menino alguém que se assemelhe à figura materna e, para a menina à
figura paterna, pode ser, ainda, alguém que possua algo que se deseja mas, não
se possui, ou alguém que possua o que a gente possui e, assim, ama-se a si próprio
no outro (BOCK, 1999, p. 234).
Freud (1912) ao falar sobre um comportamento amoroso normal remete a
questão de que este é constituído por uma corrente afetiva e uma de
sensualidade. A afetiva é retratada como os primeiros vínculos existentes, que
são expressos na relação com os cuidadores, têm-se a pulsão de autopreservação
e leva uma carga de pulsões sexuais o que faz o sujeito deparar-se com o
incesto. Por esse motivo, na maioria dos casos, a corrente afetiva é
desvinculada da corrente sexual fazendo com que o homem ame uma mulher por que
não tenha desejos sexuais e deprecie aquela por quem tenha. Essa postura de
amar uma e desejar outra ocorre pela relação que se teve com a mãe, pois a mãe
sendo a mulher do pai lhe è uma mulher impossível sexualmente, a essa deve amar
e ao mesmo tempo tem-se o desejo por ela daí a necessidade de depreciá-la.
Assim, o homem só seria pleno no amor se aceitasse a condição incestuosa ao
amar outra mulher.
“Um homem deixará seu pai e sua
mãe – segundo o preceito bíblico – e se apegará à sua mulher; então, se
associam afeição e sensualidade” (FREUD, 1912, p. 165). Freud ainda afirma que
um objeto amoroso é mais valorizado na medida em que promove mais paixão sexual
e que na mulher não há a necessidade de depreciar o objeto de amor, em
contrapartida sua atividade sexual vem anexada com a proibição.
Na visão psicanalítica a sexualidade não ocorre de forma idêntica para os
dois sexos. No menino não haverá a troca do objeto de amor logo ao sair da
relação de simbiose com a mãe a vai continuar a tendo como objeto de desejo, já
na menina ocorre o inverso, a mãe que no início lhe era um objeto de prazer por
lhe propiciar satisfação de necessidades fisiológicas, passa, na entrada do
complexo de Édipo, a ser objeto de identificação e rivalidade, enquanto se
emprega a libido no pai.
Entre dois parceiros há um passivo e um ativo, o primeiro é representado
pelas características femininas e o segundo pelas masculinas. Pommier (1991) relatando
sobre a passividade e atividade utiliza-se do mito de Tirésias (que quando
abordado por Zeus revela que a mulher sente dez vezes mais prazer que o homem)
onde se revela o gozo da mulher pela passividade, ela esconde sua superioridade,
pois obtém ganhos com sua fragilidade. A mulher tem o gozo do corpo. A questão
do gozo do corpo é a mesma para os dois sexos. “Para o homem enquanto que
provido de órgão dito fálico – eu disse dito -, o sexo corporal, o sexo da
mulher não lhe diz nada, a não ser por intermédio do gozo do corpo”. (LACAN,
1985 p.15)
Segundo Lacan (1985) o amor também é essencialmente narcísico, Freud
(1914) define narcisismo como uma etapa do desenvolvimento do eu, forma particular de se relacionar
com a sexualidade, um processo pelo qual o sujeito se identifica em seu próprio
corpo.
A princípio tem-se o narcisismo que Freud (1914) denominou como primário
por ser a primeira forma de satisfação libidinal, aqui o prazer é oriundo do auto-erotismo,
caracterizado pela ausência de relação com o meio, acontece com a criança por
ter a sensação de bastar para a mãe. Aqui há uma dualidade entre mãe e criança
que é perturbada com a crise edípica em que a criança percebe um terceiro na
relação e se vê como insuficiente assim ela procura tem aquilo que lhe falta
para ser idealizada. O narcisismo primário começa então a se transformar em
narcisismo secundário que se dá através do investimento da libido em objetos
exteriores a si, ocorre por um processo de identificação aonde o eu vai se constituindo incorporando
traços de objetos com o intuito de retomar aquela condição narcísica primordial
e diminuir a discrepância entre o eu
e o ideal.
Após a formulação do narcisismo Freud (1915) parte
para as implicações do objeto na escolha amorosa e então formula os conceitos
de amor narcísico e anaclítico. O amor descrito como narcísico é quando o amor
volta-se pra si mesmo, ama-se quem se é o que reproduz a própria imagem. Já no
amor anaclítico é quando o objeto de amor (objeto sexual) é visto como o outro,
ou seja, aquele que supre suas necessidades com alimentação, carinho, proteção,
geralmente na forma anaclítica o objeto de amor é a mãe ou alguém que faça a
função materna, pois está pautada nas pulsões de auto-conservação. O amor
narcísico é então caracterizado como egoísta e o anaclítico como altruísta.
Para Freud (1914) a escolha objetal narcísica implica em amar a si mesmo
através de seu semelhante e que todo amor por algum objeto comporta mesmo que
parcialmente o narcisismo. O narcisismo é um dispositivo defensivo para manter
uma falsa sensação de auto-suficiência.
Para Pommier (1991) homem e mulher escolhem de
forma diferente. A mulher, por ser um sujeito faltoso, poderá presentificar o
falo sendo o objeto de amor de um homem. A mulher por sentir a falta fálica
pensa que o homem pode satisfazê-la. O homem, por sua vez tenta satisfazer-lhe.
Mas isso implica em frustração por nenhum tem capacidade de suprir a falta do
outro. Os casais se organizam de forma a perpetuar uma fantasia de união
absoluta que proporcione satisfação para ambas as partes e o vínculo se rompe
caso esta tentativa falhe.
As
pessoas atribuem um ideal de felicidade no objeto de amor acreditando que este
o irá preencher só que ao mesmo tempo tem que conviver com as impossibilidades
do outro para que o vínculo seja mantido, “o amor, será que é fazer um só?”
(LACAN, 1985 p.13). Sim, mas de forma alienada. Sem considerar o desejo de cada
um.
4. METODOLOGIA
Este trabalho foi elaborado por meio da revisão
de literatura e também com a execução de uma pesquisa de campo. Tal
pesquisa realizou-se por amostragem. Esta amostra compreende um total de oito
psicólogos com formação em psicanálise que atuam na região oeste do Paraná. O
projeto de pesquisa foi realizado no mês de março e aprovado
pelo Comitê de Ética da Universidade Paranaense/Campus Umuarama/Pr.
O instrumento para a pesquisa de campo, que foi do tipo qualitativa, foi
uma entrevista
estruturada com oito (8) questões abertas, apresentadas de forma semi-dirigida.
As entrevistas foram realizadas individualmente com cada profissional. Ela
ocorreu durante os meses de agosto e setembro/2010.
5. ANÁLISE DOS DADOS
A partir
da análise das questões um (1) e dois (2), percebeu-se, que todos os
entrevistados comungam da Psicanálise pautando-se primordialmente em Sigmund Freud e Jacques
Lacan. Em conformidade com o embasamento teórico alguns afirmam que o laço
amoroso é a busca de completude e de satisfação. Uma das entrevistadas faz
referência a Freud e Lacan ao dizer que o amor é narcísico.
Entre os psicanalistas que tem conhecimento
sobre os complexos familiares apresentados por Lacan alguns concordam
plenamente que estes interferem na escolha objetal e outros concordam
parcialmente: “Sim, se esse[homem ou
mulher] não retificou esse complexo, e não retificou e significou o seu
sintoma, mais uma vez relaciona-se de acordo com o complexo de Édipo” (S.I.C.).
Acerca das questões quatro (4) e cinco (5) foi
perceptível que todos os entrevistados responderam encontrarem em sua prática
clínica a relação amorosa como causa de sofrimento psíquico: “Como se busca o que não se tem, enquanto não
se tem claro que o Outro não tem para dar causa sofrimento. A mulher pensa que
se ela não tem, mas o homem tem então ele pode dar a ela. O homem pensa que tem
e tem medo de perder. O laço
amoroso leva o sujeito a se deparar com a sua castração. As mulheres sofrem
porque o homem não dá o que ela quer e o homem sofre (segundo o discurso
masculino) porque não consegue satisfazer a mulher.” (S.I.C.).
Ainda sobre a questão cinco (5) que investiga se o amor pode-se ser
responsável por sintomas físicos, todos concordaram, uma das entrevistadas
salientou que depende da estruturação psíquica, ou do sujeito inconsciente.
Isso confirma a teoria que diz que quem faz sintoma é o neurótico, enquanto o
psicótico e perverso não, portanto, sendo o paciente neurótico poderá
apresentar um sintoma físico em função da perda ou do vínculo com o objeto
amado.
Sobre a questão seis (6) que aborda o complexo de Édipo todos os
pesquisados também afirmaram que este pode possui influência na escolha amorosa
na idade adulta: “Mas concordo porque
vocês utilizam o termo “permeada”. As respostas anteriores já apontaram isso...
É muito arriscado quando falamos em ‘escolha do companheiro’, o termo ‘escolha’
nos faz pensar em ‘decisão consciente’. Mas enfim, a passagem pelo Édipo é
decisiva no posicionamento da criança perante o sexo (me afirmo como homem ou
mulher? A psicanálise fala em ativo/passivo – o que torna a questão bem mais
complexa!” (S.I.C.)
As duas últimas questões sete (7) e oito (8) que interrogam sobre a permanência
ou o rompimento do vínculo foram respondidos de forma semelhante por todos os
entrevistados. Nas respostas encontrou-se que o vínculo se mantém pela
necessidade de não estar só, pela dependência emocional e por questões
inconscientes. E ainda que este vínculo pode ser rompido por um novo
deslocamento e pela forma com que cada um lida com a castração. Relataram também
que para perdurar o relacionamento deve-se aceitar que o outro não tem para dar,
o que “lhe falta” e aprender a conviver com isso. “Cada caso demonstraria aspectos distintos. A nós cabe a pergunta: o
rompimento é fruto de um novo deslocamento e, portanto seria um ato sintomático?
Ou o rompimento aparece como elaboração sobre o que mantinha as identificações
do sujeito? (o paciente pôde por em questão o processo de alienação/separação?)”
(S. I. C.)
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se dizer que o tema laço amoroso é fascinante na contemporaneidade, pois
há um maior interesse social neste tema. Este estudo encontrou material escrito
abundante e percebeu-se que há uma valorização crescente em pesquisas sobre os
relacionamentos afetivos, principalmente entre cônjuges. Talvez isso deva ao
fato de que as vinculações amorosas se fazem presentes por toda a vida de uma
pessoa, todos os neuróticos se relacionam afetivamente de alguma forma.
Constatou-se neste estudo que o amor
conjugal é vivido em sua impossibilidade. E isso é facilmente percebido nos
romances clássicos onde são encontram-se pares famosos como Tristão e Isolda e
Romeu e Julieta, os quais demonstram a impossibilidade do amor ser vivido na
“prática”, estes clássicos apresentam a tragédia, as dificuldades, e o desejo
humano de amar e ser amado. No entanto, na literatura não existe prova de que o
amor seja justo porque homem e mulher amam de forma diferente, então, não é
possível encontrar a justa posição entre os que se amam.
Compreende-se com a revisão de literatura e pela pesquisa de campo que o
ser humano busca no outro a completude, a unicidade, a simbiose, ou seja, a
busca de um casal é um buscar no outro aquilo que lhe falta, e que se acredita
que o Outro tem, e se deseja dar e poder dar. Mas isto é uma ilusão, e o que se
percebe é que a ilusão mantém a busca do amor, mantém o desejo de ser amado.
É ilusão, pois, o ser humano neurótico, por ser insatisfeito, não pode
encontrar nada no mundo que o satisfaça totalmente, pois isso equivaleria à
perda do desejo, seria a própria morte. Portanto, é justamente isso que
perpetua a busca constante por satisfação, principalmente nos relacionamentos
amorosos.
Através das idéias freudianas estudadas foi possível perceber a
impossibilidade e possibilidade de um relacionamento perdurar. Impossibilidade
na medida em que satisfação total em um relacionamento é impossível, irreal,
mas que o relacionamento pode ter a possibilidade de perdurar se cada um se
aceitar como sujeito faltante e deixar de cobrar do outro, e de si mesmo, a
satisfação plena e a completude.
E como essa aceitação
implica na aceitação da castração algumas pessoas buscam a análise pessoal para
tratar esta questão. Isso foi confirmado pelas entrevistas com os psicanalistas
da região oeste do Paraná. Assim, constatou-se que os laços amorosos existentes
entre casais constituem-se como o núcleo dos conflitos mais discutidos na clínica
psicanalítica. Na contemporaneidade os casais adoecem pelo desconchavo de ter
expectativas em relação aos relacionamentos e ao mesmo tempo inibição, sintoma
e angústia por não aceitarem os limites impostos pela castração.
Amar é uma tentativa de
driblar a castração. Amar é uma forma de se manter desejante. É preciso amar. E
também, saber sobre a castração, ou seja, saber dos limites e impossíveis da
relação amorosa.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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